- Amo-te, Gabriel!
- Eu...eu não
posso amar-te, Magda...
- Não?
- Não...por razões técnicas.
- Por o quê??
- Razões técnicas diversas. Eu queria amar-te, gostava de
te amar...
- Gostavas?
- ...até acho que te tenho algum amor...acho...
- Estás bêbado, tenho a mais deprimente certeza!
- Acreditas nisso?
-Bastante mais do que nas tuas razões técnicas, palerma!
- Mas não querias que entre nós nunca houvesse mentira?
- Sim, disse isso, mas não contava com essa imbecilidade
das "razões técnicas" para não me amares! Nisso preferia que
mentisses!
- Magda, nunca te mentiria, sabes isso!
- Gostava mais de não saber...
- Quando te digo que te não posso amar por causas
técnicas, tu devias sentir que estou a ser sincero, a amar-te mesmo de outra
maneira, ainda que não possa por...
- Porque sou algum carro e tenho a embraiagem avariada?
Ou o motor gripou por falta de óleo?
- Magda!
- Ou tenho a carroçaria riscada pelo uso?
- Tem dó...
- Como posso ter disso se as razões técnicas, defeitos de
fábrica, se calhar, te afastam de mim? Acabei de te dizer que te amo, Gabriel ,
e tu vens-me com as avarias!
- Sinto-me mal, não te consigo fazer compreender o meu
ponto de vista!
- Não consegues? Chama um mecânico, pode ser que dê mais
resultado.
Eu sou mesmo muito
parva! Dedicar-me a este Gabriel das
dúzias, deixar para trás promessas de gente boa e conselhos de gente mais ou
menos para não me meter com este tipo, para no fim ele me chegar com a desculpa
mais parva que já ouvi em muitos anos de namoro com homens mais e melhores do
que o Gabriel! E não contente, hoje estúpida de todo, lhe fui garantir que o
amo! Desmiolada...e mais desmiolada ainda porque sei que é verdade, penso mesmo
que ele é o amor que trago aqui dentro! E estou a começar a ver que ele não
merece!
- ... e ainda não é tudo, Magda, eu sofro por te fazer
sofrer, mas não posso fazer outra coisa e...
Vou ter que prestar
atenção ao que ele diz, oiço palavras mas não oiço o sentido. Se não está
bêbado, então sou eu que o estou! Razões técnicas!! Pff!
- Magda, minha muito querida
- Mas nunca "o muito meu amor", pressente-se da
conversa!
- Não me estás a ouvir, Magda!
- Poupa-me o nome, estás a gastá-lo a cada cinco
segundos!
- Mag...minha querida, meu amor impossível, eu gosto
muito de ti, só te não posso amar!
- Venha alguém que me dê uma explicação que me tire deste
manicómio de ideias parvas e contrárias.
- Eu tiro-te!
- A paciência já ma tiraste, há mais para tirar,
continua.
- Fui ao médico...
- Espero que da cabeça...
- Fu ao médico...especialista ...dos homens, sabes o que
é?
- Não, apesar de tudo, como não uso pneus nem ando a
gasolina super, ainda se consegue ver que sou mulher.
- Agora és tu que não estás a ser razoável. Fui a um
médico andrologista, desses que sabem falar do amor entre a mulher e o seu par,
sabes?...
- Insisto que me é melhor aconselhada a consulta a um
ginecologista...
- Pois , mas para mim que sou homem, os
ginecologistas só trazem más notícias!
- Como?
- Se a mulher está grávida e não é casada, ou se é casada
mas o marido está fora há um ano, isso não é boa notícia, convenhamos!
- Sim, aí pode haver uma razão técnica, acertaste!
- Bem , o médico olhou, mediu as suas opiniões,
assustou-me pelo ar com que nada me dizia, foi um bocado chato...
-Mas não estás grávido, era a razão que faltava?!...
- Magd... Mulher, não que coisa!
Quando fomos
feitas, nós mulheres, deviam-nos ter instalado um botão de alarme, uma sirene, uma
batida na cabeça para as mais ceguinhas de entre as mulheres apaixonadas, para
evitarmos merdices destas, dizer a um parvo destes que o amo! Só isso não me
deixava ter dado este trambolhão no braços deste palerma! Agora como fico? Como
é que me vou livrar deste engano sobre pernas? Disse ao troca tintas que o
amava, sei lá se disse que era dele - ai
se disse, que horror! - e não tarda atira-me para um armazém de sucata ou stand
de segunda mão por "razões técnicas" santo Deus!
- Minha muito
amada Magda, desculpa repetir o nome, venho do tal médico e...
-Anda despacha-te!
- ... e ele disse-me que afinal sempre posso ter filhos!
- Parabéns...
- Por isso por muito que te ame, as razões são tantas que...deixo-te,
vou voltar para casa, para a minha mulher...Desculpa...
- Gabriel, amo-te! Que pena!!!
António Nunes de
Almeida
30-05-2013
Sempre estes desfechos surpreendentes, que nos deixam em suspense até à última linha. Parabéns. Gostei.
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