sábado, 8 de junho de 2013

O SR. VOCÊ

CRÓNICAS DO ANTÓNIO


O SR. VOCÊ

            - Você é um cabotino!
            - Devias ter dito “tu és um cabotino”, você não se aplica lá muito bem.
            - Se acho que você é um cabotino, tanto faz que seja você como tu, não muda por causa do modo como o digo!
            - Muda, ai muda muda, porque passaste a ser um mal educadão, um asno com cerimónias pedantes!
            - Passei? Como assim?!
            - Sem qualquer dúvida! Se te trato por tu e me retorques por excelência, não posso gostar! Você é estrebaria, donde fica lógico seres um asno, você, ser um equídeo burrical, devo corrigir!
            - Ainda te dou um murro nesse, focinho!
            - Lá mudou o você para o tu!
            Estas flores da educação inter pares, tem uma justificação, assim assim, mas justificação. Nem julguem que nos afastámos um com do outro, nada disso, e a razão do apelo a cavalos, muares e asininos correlativos, tem mais a ver com a falta de bom senso do que outra coisa!
            Eu e o Tiago, somos amigos desde a escola, e aqui escola também significa aquilo que a vida nos vai ensinando, aula a aula, ano após ano.
            Foi o Tiago que me apresentou a primeira namorada, e eu só lhe consegui retribuir lá por volta da décima segunda, todas as outras vieram do charme do bicho que tem um jeito especial de as chamar suas, antes de lhes dizer que a vida tem coisas traiçoeiras, veja lá Marianinha, eu que a amo tanto, sou obrigado a dar-lhe um beijo de despedidativemos um bom tempo, fomos felizes de vez em quando, mas a química acabou! Normalmente ele conseguia dar e receber o tal beijo, porque a mim só me davam a chapada…Defeitos.
            O tempo já fez com que essas namoradas passassem a avozinhas, cheias de netos, praza que nenhum deles seja nosso! Casámos, sabe-se que isso acaba por acontecer até aos melhores, casámos então com duas primas afastadas, numa prova evidente de que o nosso modo de vida era assaz peculiar, porquanto andámos os dois com as duas, e sabe-se lá quem é que escolheu quem!
            Há pessoas sabedoras que nos chamam maridos consanguíneos, misturados querem dizer, afirme-se já, porque não houve transfusões e muito menos arrufos e azedumes entre os quatro.
            - Você é uma besta! Nunca o devia ter conhecido!
            - Então desiste de me conhecer! É remédio para o teu, seu, digo, problema, Chiça que já baralho tudo!
            E como não havia de baralhar? Temos já idade para o calmo juízo, já nos chamam seniores, e o Tiago deu em passar a tratar-me por você, sem uma justificação que não seja eu ter mais quase dez anos que ele! Se não fizeram diferença antes, porque raio há-de fazer agora? Já lho perguntei:
            - Mas que é isto do você?
            Resposta nula. Já a minha irritação com o assunto é tudo menos nula. Sou o dono da empresa onde trabalha, é engenheiro mas faz uns por fora de crítico literário na minha publicação. Não vejo como isso pode afetar o nosso modo de tratamento, que sinceramente me ofende. As pessoas devem respeitar-se em todas as situações da vida, recusar o pedantismo e a distanciação social, ser humanos uns para os outros, ser exemplo da moral e dos bons costumes. Tratar uma pessoa íntima por você, torna um tipo um repelente “Sr.Você” que recuso com toda a força! Há cinismo! Nada pior para um relacionamento do que um tratar o outro por tu e ver-se respondido por você!
            Os espíritos pobres tendem a sentirem-se mendigos. Não é admissível que depois de termos “comido no mesmo prato” durante tanto tempo, e ter posto à bruta as espinhas na travessa, agora estiquemos o dedinho para "beber a chávena da cicuta".
            Afinal de contas que culpa tenho eu que o meu neto lhe tivesse engravidado a neta dele? Se eu até comprei ao rapaz uma caixa de preservativos!




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