domingo, 14 de junho de 2015

SANGUE E SEGUE !



Hoje vamos escorrer sangue nesta crónica. O homem é a pior besta de si mesmo! Porquê? Porque  vemos na televisão e nos jornais as barbaridades dos árabes do Estado Islâmico e julgamos que tudo começou este ano ou no ano passado. Engano puro: o homem é um animal assassino desde sempre, desde que dois homens quiseram a mesma mulher ou a chefia do mesmo cantinho do mundo. As exceções, normalmente, são os que morreram.
Não vamos aos romanos que periodicamente arrasaram Jerusalém e mataram quem não conseguiu fugir, nem aos judeus que arrasaram romanos e outros imprevidentes que se meteram no seu caminho. Homens que mataram e homens que foram mortos são, infelizmente,  demais para o espaço de que dispomos aqui no jornal. E não precisamos recuar muito: a atualidade próxima serve perfeitamente
Resumamos alguns dos massacres que podem explicar muito do que nos horroriza nos meios de comunicação.
LISBOA - PORTUGAL 1506:
Acusados pela populaça de serem os causadores da seca, da fome e da peste, foram mortos selvaticamente centenas de judeus novos, portanto, já depois de convertidos à força ao cristianismo.
NANQUIM - CHINA 1937:
As tropas japonesas saquearam, violaram e massacraram mais de 155.000 chineses, civis e militares.
BABI  YAR - UCRÂNIA 1941:
Entre 29 e 30 de Setembro de 1941, foram mortos mais de 90.000 judeus.
CHARANDIRU - BRASIL 1992:
Na Casa de Detenção de S. Paulo, durante um motim, a Polícia Militar matou  111 presos sem sofrer baixas. O responsável foi julgado e condenado a 632 anos de prisão. Mas de seguida foi absolvido, mesmo a tempo de ser assassinado.
Porque o espaço, e a vontade do cronista de prosseguir nesta linha de horror não é, compreensivelmente,  muita, passa-se a apresentar apenas uma lista sucinta de horrores: Maomé teve que fugir de Meca para Medina com os seus seguidores para não serem mortos, o Holocausto de todos bem conhecido, os milhões de russos mandados chacinar ou morrer de fome e frio por Stalin, os índios da América, os mortos na Bósnia em 1995, os jahidistas que cortam o pescoço aos "infiéis", são coisas de que o Homem não se pode orgulhar.
O Homem mata, assassina, destrói o seu semelhante. A chamada fera mata para se alimentar. Afinal quem é o selvagem, o Homem que mata por prazer e sadismo até religioso, ou o bicho que na selva luta pela sua vida?
Por isto, por esta vergonha, é que não me importo com as notícias que vêm nos jornais sobre quem virá a ser o treinador de um qualquer clube de futebol na próxima época.

António Nunes de Almeida

14 de Junho de 2015

quarta-feira, 2 de abril de 2014

LISTA DE COMPRAS

- Leonardo, tens tudo aí anotado na lista?
- Sim, querida.
- Não te falta nada? Tens a certeza?
- Não e sim, querida.
- Vê bem, que depois é tarde.
Quase quarenta anos de casamento e ainda tenho que responder às mesmas perguntas, só porque me esqueci de levar as alianças no dia em que elas eram mais precisas...
- Puseste na lista os culotes novos?
Ainda não percebeu que já ninguém usa culotes, leva tempo a chegar ao século em que estamos...
- Sim, querida, mas chamei-lhes collants.
- Collants? Mas isso não é para as desavergonhadas de agora? Também há para homem?
- Sim, querida, mas posso chamar-lhes ceroulas.
- Ah, isso sim, sei que é vestimenta de cavalheiros!
Deve ser. Se investigasse um Eça qualquer no fim do século de 19, era bem capaz de ver ceroulas...Mas para quê discutir com a Maria Eduarda? Eu uso boxers!
- Vamos?
- Tenho estado à espera...desde as onze horas...
- Que queres? Uma senhora tem que se arranjar, que sabes tu de dignidade feminina?
- Nada, minha querida, nada!
- Vês? Se calhar é melhor almoçarmos antes que os restaurantes fechem já às três e só fazer as compras depois...
- Como quiseres, querida...
- E deixa esse ar enfastiado. Afinal já te aturo há quase meio século e..
Ela continuou a falar, a querida, mas não garanto que a estivesse a ouvir. Afinal basta largar uns "Sim, querida" a espaços de meia hora, para que a "conversa" flua convenientemente e ao agrado da Maria Eduarda. Ainda percebi ..." dou-te carinhos e amor e tu pagas-me com as horas que ...". Tomara que ela  não se tenha apercebido do meu sorrisinho amarelado pálido! Dá-me carinhos e amor?? Ora não está mal, não senhora! Sexo, é que devia ser a realidade, e nunca foi. Meio século (quase...) de fazer amor em posição missionária, não é bem alcunhada de amor e carinhos. A Maria Eduarda tem a cabeça no século dezanove e a ideia de  sexo ainda antes, nas freiras eduardinas onde andou, que lhe ensinaram a posição que o deus delas achava ser a única aceitável para a procriação! Quarenta anos daquilo! E felizmente que há vinte que não reza antes de se começar! E a reza só acabou porque quando chegava ao ámen...eu já tinha adormecido!
- Leonardo! E o dominó para o miúdo, puseste no rol?
- Sim , querida. Mas agora já se chama iPad, e tem mais jogos!
- Vê lá não me canses as crianças com correrias! O dominó está muito bem, é sossegado e ajuda a desenvolver a inteligência.
Francamente não sei onde é que esta Maria Eduarda tem andando nestes "últimos duzentos" anos! Dominó? Talvez o do avô dela!
- Leonardo! A prenda para...
Odeio o padrinho que me crismou de Leonardo! Sou do Porto, não do Sporting, de leão nada tenho e esta mulher faz-me sentir um gato rafeiro a comer espinhas no telhado que nem será o meu! Antes me chamara Bichano, estava mais na verdade. E afinal, as minhas "amigas" é o que já me chamam, meu bichaninho careca!
- Leonardo! Se calhar não puseste a camisinha para a senhora da paróquia?
- Sim, pus, querida! Mas privei-me de lhe dizer que camisinha é que tinha posto, não bem para uma senhora de paróquia.... A Eduarda mesmo se eu lhe dissesse qual, não entenderia nem a diferença nem o objeto.
Há pessoas que preferem ser enganadas para viverem felizes. É como certos povos que se deixam roubar se imperar o silêncio e a calma nas ruas.
- Leonardo, anda, temos que ir visitar a Clotilde que nos convidou para o chá de caridade!
- Sim, querida.
- Leonardo, já comprámos tudo, falta alguma coisa?
- Sim, querida, falta.
- O quê, meu Leonardinho?
- Pastilhas de cianeto.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

POSSO?


                                            POSSO?

- Posso?
- Depende.
- Depende do quê?
- Daquilo que a senhora pretenda.
- Ocupação útil.
- Para si?
- Vê mais alguém aqui ao meu lado?
- Podia ser para um neto seu, uma sobrinha acabada de sair da Universidade, enfim, alguém jovem...
- Podia, nisso tem razão, desculpe o começo de conversa.
- Ora essa, minha senhora.
- Mas é mesmo para mim. As respostas habituais deram vinagre à minha forma de falar.
- Entendo...
- Entende?
- Bom, faço por isso, olho para si e vejo que se lhe deve respeito!
- E ocupação útil, não?
- Hesito na resposta...
- Hesita porque tem uma ocupação que me pode ser útil e não ma quer dar, ou há outras razões?
- Hesito porque temos um lugar em aberto, mas não estou certo de que possa ser para si...
- Que fazem nesse lugar aberto? O que soube era de um posto de atendimento telefónico a clientes. É esse?
- Efectivamente...mas...que idade tem a senhora, se me permite a pergunta?
- Claro que permito e atá aprovo a pergunta: 72 anos.
- Não diria tantos, a seu aspeto e a sua voz são para menos idade.
- A minha voz tem quantos anos na sua interpretação?
- É difícil, tem uma voz linda, modulada, até de certo modo, jovem...
- Percebe-se bem o que digo? Tenho um curso de canto e dicção.
- Verdade?
- Fiz teatro, sei falar com as pessoas, e em três línguas corretamente.
- Vejo e oiço que sim, mas...
- O que é esse "mas"?
- O ordenado...o trabalho é por turnos...
- Já não tenho filhos nem marido à espera, os turnos da noite não me incomodam, durmo pouco, apenas o indispensável. E o teatro habituou-me a desalinhos de horas.
- ...o ordenado é pequeno, pode ter que subir escadas...
- Para falar mais alto? Ou o prédio não tem elevador? O serviço não é ao telefone?
- Vejo que argumentação não é uma falta sua!
- Então as escadas não contam...E já lhe perguntei qual é o ordenado?
- Não...nem lho disse, mas é coisa de nada, deve ser pouco para as suas necessidades...
- Seja qual for, se dentro da legalidade, não é pouco para mim. Pedi-lhe ocupação, não ordenados. Acha boas  as minhas credenciais?
- Não as posso negar, mas setenta e dois anos...
- Acha que os clientes da sua empresa se souberem a minha idade deixam de lhe comprar os serviços? Tenciona pôr um cartaz à porta a anunciar que tem uma idosa a atendê-los?
- A sua memória...não fraqueja? É sempre uma possibilidade...
- De si sou capaz de me vir a esquecer, talvez, mas nunca me esqueço de cumprimentar bem as pessoas e...o seu serviço tem um formulário com as respostas, não tem?
- Tem...mas...lamento não a posso...
- Não me pode admitir, é isso?
- ...É.
- Um primeiro e último favor:
- Diga.
- Telefone à sua avó e diga-lhe que ganhou a aposta!
- Aposta?
- Sim, apostou comigo que o senhor era um cretino que não daria emprego a uma pessoa competente que não usasse mini-saia ou calções para atender um telefone.

António Nunes de Almeida

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O VARREDOR DE LIXO DAS 3.30 DA MANHÃ!




            Vi tirar conscienciosamente lixo da rua às 03.30 da manhã! Vi da janela da minha casa e custava a acreditar.
            Quem pode crer que às 3,30 da madrugada um homem solitário, sem qualquer inspector a ver se varria ou se se limitava a fumar um cigarro em qualquer recanto abrigado em vez de trabalhar? Sim, quem?
            E mais do que varrer, fazia-o com toda a consciência, procurando papéis e detritos debaixo dos carros, nos esconsos dos prédios, em todos os sítios onde o chamado humano normal faz a anormalidade de deixar lixo para que alguém trate de o fazer desaparecer!
            Talvez esse anormal atire para o chão à sua passagem, todas as espécies de maços de cigarro, pacotes vazios de bebidas e chocolates, sem cuidar de quem terá que limpar todo esse lixo, sem cuidar de nada senão do seu impróprio comodismo.
            Por certo esse humano normal que faz anormalidades sem dar por isso, seja o mesmo que antes de deitar a pirisca para o chão durante o tempo de uma conversa entre amigos, use esses mesmos amigos para criticar que "…esta cidade está uma porcaria, olhem para este lixo todo na rua!".
            Terá outros humanos que tais que lhe responderão igualmente indignados "… os políticos são todos o mesmo, cantam limpezas antes das eleições, e ficam surdos depois quando há que manter as ruas limpas, como a casa de banho que tenho lá em casa!". 
            Adivinhe-se: sem querer observar a casa de cada um desses humanos normais, adivinhemos onde colocarão as embalagens das pipocas e as beatas dos cigarros que fumarão ao longo do seu jogo de futebol ali em direto pela TV. 
             E o que ensinarão aos catraios masculinos sobre a separação de lixos para reciclagem? Aos garotos machos, porque as miúdas são ensinadas por algumas mães, a arrumarem o que as calças compridas da família deixam pelo chão, para isso é que há mães, ou então para que serviriam?
            Conheci de verdade em tempos idos, uma mulher empregada de um departamento estatal, que se queixava amargamente de que depois do dia a atender pessoas e casos, chegava a casa para enfrentar, calças e cuecas do marido e do filho semeadas pelo chão, toalhas ensopadas no soalho da  casa de banho ainda ali em "estágio" depois dos banhos da manhã e todo uma lista de anormalidades praticadas sem pejo nem arrependimento pelos masculinos da família.
            Mesmo sabendo bem qual seria a resposta, perguntei porque ao menos não tentava ensinar o filho a agir de modo mais civilizado:
            - Ele é assim, sabe…
            - E a senhora acha que isso é normal, ser arrumadora doméstica  por penitência?
            - Que hei-de fazer? O pai faz, o Jorginho imita, mas é sim senhor, um calvário…
            - E o que pensa a D. Adelaide que vai acontecer quando o seu desarrumado Jorginho se casar? Acha que não vai martirizar outra mulher como a senhora?
            Mesmo afirmando-lhe que é para isso, criar condições para fazer outra mulher arrumadora/mártir, que ela estava a não educar o tal Jorginho, não fui capaz de a demover de construir, toalha a toalha, cueca a cueca,  a pesada saga para ela e para a nora vindoura. "Eles são assim", dirá sempre!
            Vejo o humano macho dela a  deitar para os recantos públicos, o tal lixo de que se virá a queixar de estragar a limpeza das ruas. Pode parecer que não, mas há ligação direta entre as toalhas ensopadas no chão, e as latas vazias que o nosso consciencioso varredor das 3,30 da manhã procurava, varria para a sua pá, antes de andar bons metros até as largar no  grande caixote do lixo da minha rua onde por várias vezes o vi a trabalhar às 3,30 horas da madrugada. Honra lhe seja feita!
            Esta crónica pode não ter grande beleza, nem grande estilo, mas o homem que a horas perdidas varre sozinho a minha rua, existe, já o vi mais do que uma vez. Parece incrível, mas é real.
            Desconheço se faz greves ou não, se geme falhas no seu orçamento familiar, se durante o dia tenta "fazer a semana" com outro emprego qualquer. Mas há uma coisa que sei e acho que posso garantir: o varredor das 3.30 horas não se chama Jorginho!


António Nunes de Almeida

quinta-feira, 18 de julho de 2013

RAIOS'O PARTAM!

                   
           
        


    - Raios’o partam!
            Ouvir uma imprecação destas na boca de uma senhora, pura e lavada por certo, onde nunca terá entrado nada mais impuro do que comida e escova de dentes, podendo até ser do tempo em que as senhoras ainda se chamavam Efigénia, tais expressões, ditas fortes, me parecem chocantes, mesmo tendo eventualmente uns anos menos do que a senhora Dona, talvez Efigénia, tento adivinhar.
            - Raios’o partam!  Raios’o partam!  Raios’o partam!
            Três vezes já implica estados mentais, não tenho dúvidas, mas tenho é receios sobre o estado da sanidade mental da idosa. Ficará bem ajudá-la?
            - Minha senhora, não sei o seu nome, mas vejo a sua irritação.
            - Sim? Vê-se assim tanto? É descuido meu, raios’o partam!
            - Se é descuido, não sei, parece-me mais irritação contra algum embusteiro que se aproveitou da sua, sei lá…, ingenuidade.
            - E o senhor acha-me com cara de ser ingénua? É por isso que me acode?
- Não a quis ofender, vi-a tão…danada, assim em voz alta só comigo ao perto!
- E que faz o senhor aqui ao perto?
- ….Como? Desculpe, que faço aqui ao perto? Ia a passar, espero que não seja pecado nenhum.
- Pecado? Mas passou aqui para me aborrecer a vida?
- Juro que não, por Deus lhe juro que não! Passei só!
- Falso beato! Obra do demo, entendo e acredito!
- Demo? Chamo-me Joaquim, de demos e mafarricos, sei pouco…
- Mas de pecados, danações e outras coisas do paraíso, disso parece saber bastante!
- Se me permite, e como já não me tem em grande conta, vou arriscar uns anos mais sem perdões celestiais – aliás sempre duvidosos – e dizer-lhe com clareza o que me custou ouvi-la a imprecar “Raios’o partam!”.
- Sou demasiado velha para mandar alguém partir-se com um raio?
- Não digo velha, assim velha sem mais adjetivos de suavização, também não. É idos…quero dizer, já foi mais nova, mas tem aquele ar das Efigénias…
- MAS QUEM LHE DISSE O MEU NOME?
Apesar de toda a minha deferência e respeito pela mulher de idade à minha frente, não me foi possível esconder um, ainda que abafado, “ porra que não é possível !". Um homem não está precavido contra adivinhas que caiem de trambolhão numa conversa imprevista! Cruzes canhoto, mas…
- Ouvi! Olhe que ouvi!
Não sou muito de missas, mas rezei para que a audição dela não tivesse captado o palavrão. Continua a ser feio dizer palavrões com plateia feminina.
- Ouviu?... Desculpe, não era intenção…
- Ouvi. Disse cruzes canhoto, prova de que está possuído pelo diabo! Se fosse mais novo punha-lhe pimenta na língua! Cruzes canhoto….ora querem lá ver?
Senti alívio, é minha mais arreigada crença de que o diabo não quer nada com este Joaquim, havendo tantos políticos com que se ocupar.
- E quer saber, homem incréu e perdido para todo o sempre, porque disse “Raios’o partam!”?
- Três vezes, madama, três vezes…
- Leu o Eça de Queiroz?
- Bem, alguma coisa…
- O Crime do Padre Amaro?
- Li o Basílio…tinha umas aventuras, digamos, atrevidas, com a prima…
- Era uma vergonha na minha idade. A senhora minha mãe proibiu-me de ler o livro!
- Lá tinha as suas razões, era pecaminoso o sexo, desculpe, o que se passava  nas camas deste e daquela. E com padres à mistura, piorava…
- Proibido ou não, li-o quatro vezes.
- Parabéns, deve ser uma leitora de truz!
- Sim, confio num bom autor, e tive um ótimo professor de literatura, o pároco da minha freguesia.
- O pároco, D. Efigénia??
- Sim, o pároco, padre de ideias avançadas e homem sabedor.
- Vejo que terá sido…pelo menos muito à frente para a idade e profissão, devia ser!
- Disse-me que a santidade e a pureza está em cada um de nós e que o paraíso é para quem o merece. E convenceu-me disso mesmo, que eu iria para o céu com ele a guiar-me nos caminhos do paraíso.
- E não a levou? Morreu sem a levar?
- Morreu há dias, o safado…só agora me telefonaram a dizer.
- Faltou ao prometido?
- Completamente! Sempre me jurou  que ficando virgem entraria no paraíso, mas nunca me disse que lá esperavam por mim dois ou três mil árabes para dormirem comigo! Raios’o partam!



António Nunes de Almeida

19-07-2013

sábado, 6 de julho de 2013

GOSTEI DE A OUVIR TOCAR!

        Estórias DO ANTÓNIO


                                                                                 fOTO JAIME bAHIA

       - Como se chama, minha senhora?
            - Conheço-o?
            - Não, na realidade nunca nos vimos.
            - Eu digo o nome, mas vai perdoar-me o meu estranhar. Elvira.
            - Elvira só?
            - Estou só, mas pode acrescentar Adolfini. Mas...devo-lhe alguma coisa?
            - Que eu saiba, nada!
            - Então ...
            - Gostei de a ouvir tocar...
            - É algum agente? De que editora?
            - Eu...não...
            - Angaria artistas para espectáculos! É isso!
            - Gostava, mas nem sei como se faz isso, tenho pena...
            - Normalmente com uma oferta de almoço, ou lanche em casos piores, promessas de estrelas a caírem no regaço, contratos falsos e um quarto de hotel, barato se a oferta for aceite muito depressa. É assim que se faz.
             - É ácida! Toca muito bem mas é ácida!
             - Deve ser do "vinagre" que tenho bebido...anda cada vez mais falsificado mas não perde a acidez...
             - D.Elvira
             - Gandolfini!
             - D. Elvira Gandolfini, será. Toca acordeão há muito tempo?
             - Mais do que o suficiente, menos do que gostava antigamente.
             - É também confusa de entender, desculpe que lhe diga.
             - Às vezes em vez de vinagre, como sou uma velha ainda bonita (não sorria! Não concorda que ainda tenho uns traços antigos?) também, me oferecem vinho generoso.
             - Não entendo, perdoe!
             - O vinho não me azeda, faz-me confusa para as pessoas.
             - Ah...Hoje...hoje devem ter-lhe dado das duas coisas...
             - Estamos a entender-nos finalmente.
            - Posso voltar a perguntar se toca acordeão há muito tempo?
            - Desde que o piano ficou muito pesado para o trazer comigo.
            - Desconversa sempre?
            - Como é que sabe se ainda há pouco nem me conhecia  o nome?
            - D.Elvira, gostei de a ouvir tocar, as suas "Czardas" foram sublimes!
            - Vestígios, vestígios de salões e saraus.
            - Tocou neles?
            - Quando era mais nova, muito. Alguns eram meus.
            - Seus?
            - E tinham piano. A música era a minha verdade, sentia-a.
            - Onde é que poderei ouvi-la? Haverá algum piano por aqui perto?
            - Há, mas já não é meu. E os meus dedos já se recusam às teclas, anos sem lhes dar som, sabe, Sr.?...
            - Daniel. Os seus dedos ou a sua desistência?
            - A desistência primeiro.
            - E porque não voltou a tocar?
            - Voltei. Não me ouviu nas "Czardas"?
            - O acordeão também tem teclas como um piano, é isso que quer dizer?
            - Tem que ser. A alternativa bonita, dolorosa e de marca, está ali dentro da sala do restaurante, já não lhe chego, proibiram-mo, o pianista jurou ao dono que eu ia estragar o Steinway.
            - E ia?
            - Não teria coragem para isso, já foi meu antes de ter esta idade só de vestígios. Como a roupa e o             resto, até este cãozito que me acompanha.
            - O cão também??
            - O cão é mais recente, faz habilidades, é engraçado, entretém.
            - Na verdade...E se eu for falar com o dono do restaurante, acha que ele a deixaria tocar?
            - Não faça isso, a música é a verdade do meu espírito, não lhe conseguiria mentir, choraria e       nenhuma música verdadeira sairia de mim...
            - Está a mentir-me?
            - Só a ocultar-me. Sabe, o prédio onde está o restaurante era do meu marido. Quando morreu, as dívidas não foram com ele, só todo o resto. Ficou-me a dignidade e...a acidez.
            - Lamento.
            - Agora desculpe, há outra vez muita gente à nossa volta. Tenho que voltar a tocar. Importa-se de deixar uma nota ou moeda no chapéu na boca do cãozinho?



António Nunes de Almeida

06-07-2013

É VERÃO: CRÓNICAS OU ESTÓRIAS?


ESTÓRIAS - UM CASO DE NUDEZ ORTOGRÁFICA

Eu próprio não alinho muito com o termo "estórias" sem o agá. Mas é o que anda agora por aí...Talvez porque é verão, a palavra passou a andar mais aligeirada, em monoquini, sem a parte de cima, sendo mais verdade que sem a parte de trás,mas não me lembro do termo mais acertado para essa falta:será rabo ao léu?.
Que não seja coisa grave a nudez da palavra, já que a tenciono vestir com textos sob o novo título de Estórias do ANTÓNIO.
Irão as Crónicas do ANTÓNIO para umas férias que se desejam merecidas.
E façam o favor de deixar entrar nas vossa praias caseiras a primeira estória do ano. Não é muito alegre, talvez seja imprópria para o veraneio, mas fala de música. Chama-se:

GOSTEI DE A OUVIR TOCAR! COMO SE CHAMA?

Dúvidas a serem esclarecidas no texto lá de cima!
António

sábado, 22 de junho de 2013

O SR. SOUSA E A D.BEATRIZ

      Crónicas DO ANTÓNIO


O SR.SOUSA E A D.BEATRIZ



- Então por cá outra vez, Sr. Sousa?
- É verdade, Sra. Dra. já me vou habituando a uma médica para esta coisa...
- De problemas do sexo? Diga Sr. Sousa, não seja tímido! Sou médica e mulher !
- Pois é verdade, deve estar bem colocada para saber bem do assunto...
- Obrigada. Vamos lá então: ainda tem erecção?
- Já não, Sra. doutora, mas tenho diabetes, tensão alta e colesterol que cheguem...
- Sei disso, mas a erecção, como vai?
- Descansada! Nem se mexe!
- Temos que tratar disso. Já está com quantos anos? Sessenta e...?
- E setenta, Sra. doutora.
 - E tem desejos?
- Se tenho, minha senhora! Lá na cervejaria ando de mesa em mesa, ..." Sr. Sousa, duas imperiais. Um bife? Mal passado ou médio?" não paro. E vejo aquelas jovens de agora de perna ao léu,ou com as saias lá por onde não digo, e...
- E aí tem os tais desejos...
- Pois não havia de ter? O que me vale é a D. Beatriz, lá nos vamos ajudando um ao outro...
- Faz sexo com ela? Boa notícia!
- Sexo propriamente dito...não, é difícil...como estou, Sra. doutora, mas fazemos muita companhia, valha-a Deus!
- Pelos vistos conseguem passar sem sexo...
- Passamos sim, mas faz muita falta.
- Vejo que consegue ter e fazer boa companhia.
- Quando temos uma folga na cervejaria ao mesmo tempo e há possibilidade, vamos a uma exposição, ou a um cinema, mas isto menos por causa do cheiro a pipocas que é enjoativo.
- Também não gosto, sou mais nova que o Sr. Sousa, e detesto, não tem a ver com a idade.
- Pode ser que sim, a senhora é que é doutora e sabe dessas coisas...
- Há cheiros e perfumes melhores para ajudar uma boa vida sexual do que as pipocas.
- VERDADE! Quando podemos dar uma fugida de carro, vamos onde há flores, e ela adora também o cheiro a caruma molhada! Diz que a "entusiasma"...eu não me importo com o "entusiasmo" dela, já não serve de nada, mas dá felicidade!
- E a D. Beatriz como é que reage à sua falta de erecção?
- Coitada, como é que havia de reagir? Com carinho, tem muita paciência...fica bem mesmo assim. Eu, é que é pior...temos tão poucas ocasiões de poder estar juntos e eu...nada!
- Acompanhá-la já é muito! Podem acariciar-se, há ternura numa festa no cabelo, um beijo, um gesto mais sensual...passear de mão dada...
- É o que fazemos, Sra. doutora. Sou um homem quase normal, só me falta "aquilo", de resto faço o melhor que posso à minha D. Beatriz.
- É meio caminho para uma vida melhor na vossa idade. Há quem desista, quem pense que sem sexo, já não vale a pena viver! Grande erro!
- Pode ser, sim. Bem, nós...não desistimos! Sempre que é possível estamos os dois juntos, com ou sem...aaaa...sem...Sem!
- A D. Beatriz deve ser muito feliz com um marido como o Sr. Sousa!
- Marido? Não! Eu sou viúvo! Marido é o Alfredo!

António Nunes de Almeida
18 junho 2013

quinta-feira, 13 de junho de 2013

TEM RISSÓIS?

         Crónicas DO ANTÓNIO

TEM RISSÓIS?



- Boa tarde Sr. João!
- Boa tarde, pequeno, que queres hoje aqui da pastelaria?
- Tem rissóis? O meu pai gosta muito deles.
- E os meus são bons, já se sabe.
- Sr. João, dê-me então quatro, o meu pai não gosta muito da comida do hospital, e assim sempre vai comendo alguma coisa.
- Certo, aqui tens. E o teu pai está melhor da operação?
- Ele diz que sim, não sei...
- Se ele diz que sim, é porque vai estando melhor.
- Sabe, eu ouvi-o a falar com um senhor já de idade que está na cama ao lado, e foi isso que ele disse.
- Bom vai lá. Queres que guarde uns de camarão para amanhã?
- Era bom, e quando vier da escola venho cá buscá-los.
- Vai descansado que eu guardo.
Se os garotos fossem todos como este... Dez ou doze anitos e ...
- Boa tarde, Sr. João!
- Voltaste cedo!
- Queria levar mais dois, a minha semanada não dá para mais.
- A tua semanada? Mas não é o teu pai que paga ou a tua mãe?
- Os outros, sim, estes não. O senhor da cama ao lado ficou com os olhos nos rissóis, o meu pai deu-lhe um e o senhor ficou muito contente. Eu é que quero dar-lhe mais!
- Entendo...
- Sabe, o tal senhor é muito mais velho que o meu pai e nunca lá vimos família a visitá-lo.
- Se calhar moram longe...
- Talvez, Sr. João...
- Bem, Daniel, leva lá estes rissóis que a D. Helena  acaba de fritar, vá anda, que sou eu que ofereço.
Estas famílias...tudo bem enquanto nos mexemos, caiem-nos os dentes e tropeçam as pernas, e pronto, se morre a mulher não há familiares com tempo para nós, prefiro morrer depressa! E o garoto anda há oito dias a levar comida ao velhote!
- Olá! Vens buscar mais alguma coisa para levares ao teu pai?
 - Não, não é isso. O meu pai já está em casa há cinco dias, mas o outro senhor ainda lá está.
- E levas os...?
- Sabe, Sr. João, o senhor já não se lembra bem das coisas, julga que sou neto dele, fica feliz de me ver, faz-me festas e chama-me Alfredinho...pergunta-me quando é que volto lá a casa dele na Bairrada, fica com uma cara tão contente! E ele gosta do que lhe levo!
- Acredito!
- Tem rissóis de leitão?


António Nunes de Almeida

13 junho 2103

sábado, 8 de junho de 2013

O SR. VOCÊ

CRÓNICAS DO ANTÓNIO


O SR. VOCÊ

            - Você é um cabotino!
            - Devias ter dito “tu és um cabotino”, você não se aplica lá muito bem.
            - Se acho que você é um cabotino, tanto faz que seja você como tu, não muda por causa do modo como o digo!
            - Muda, ai muda muda, porque passaste a ser um mal educadão, um asno com cerimónias pedantes!
            - Passei? Como assim?!
            - Sem qualquer dúvida! Se te trato por tu e me retorques por excelência, não posso gostar! Você é estrebaria, donde fica lógico seres um asno, você, ser um equídeo burrical, devo corrigir!
            - Ainda te dou um murro nesse, focinho!
            - Lá mudou o você para o tu!
            Estas flores da educação inter pares, tem uma justificação, assim assim, mas justificação. Nem julguem que nos afastámos um com do outro, nada disso, e a razão do apelo a cavalos, muares e asininos correlativos, tem mais a ver com a falta de bom senso do que outra coisa!
            Eu e o Tiago, somos amigos desde a escola, e aqui escola também significa aquilo que a vida nos vai ensinando, aula a aula, ano após ano.
            Foi o Tiago que me apresentou a primeira namorada, e eu só lhe consegui retribuir lá por volta da décima segunda, todas as outras vieram do charme do bicho que tem um jeito especial de as chamar suas, antes de lhes dizer que a vida tem coisas traiçoeiras, veja lá Marianinha, eu que a amo tanto, sou obrigado a dar-lhe um beijo de despedidativemos um bom tempo, fomos felizes de vez em quando, mas a química acabou! Normalmente ele conseguia dar e receber o tal beijo, porque a mim só me davam a chapada…Defeitos.
            O tempo já fez com que essas namoradas passassem a avozinhas, cheias de netos, praza que nenhum deles seja nosso! Casámos, sabe-se que isso acaba por acontecer até aos melhores, casámos então com duas primas afastadas, numa prova evidente de que o nosso modo de vida era assaz peculiar, porquanto andámos os dois com as duas, e sabe-se lá quem é que escolheu quem!
            Há pessoas sabedoras que nos chamam maridos consanguíneos, misturados querem dizer, afirme-se já, porque não houve transfusões e muito menos arrufos e azedumes entre os quatro.
            - Você é uma besta! Nunca o devia ter conhecido!
            - Então desiste de me conhecer! É remédio para o teu, seu, digo, problema, Chiça que já baralho tudo!
            E como não havia de baralhar? Temos já idade para o calmo juízo, já nos chamam seniores, e o Tiago deu em passar a tratar-me por você, sem uma justificação que não seja eu ter mais quase dez anos que ele! Se não fizeram diferença antes, porque raio há-de fazer agora? Já lho perguntei:
            - Mas que é isto do você?
            Resposta nula. Já a minha irritação com o assunto é tudo menos nula. Sou o dono da empresa onde trabalha, é engenheiro mas faz uns por fora de crítico literário na minha publicação. Não vejo como isso pode afetar o nosso modo de tratamento, que sinceramente me ofende. As pessoas devem respeitar-se em todas as situações da vida, recusar o pedantismo e a distanciação social, ser humanos uns para os outros, ser exemplo da moral e dos bons costumes. Tratar uma pessoa íntima por você, torna um tipo um repelente “Sr.Você” que recuso com toda a força! Há cinismo! Nada pior para um relacionamento do que um tratar o outro por tu e ver-se respondido por você!
            Os espíritos pobres tendem a sentirem-se mendigos. Não é admissível que depois de termos “comido no mesmo prato” durante tanto tempo, e ter posto à bruta as espinhas na travessa, agora estiquemos o dedinho para "beber a chávena da cicuta".
            Afinal de contas que culpa tenho eu que o meu neto lhe tivesse engravidado a neta dele? Se eu até comprei ao rapaz uma caixa de preservativos!




quinta-feira, 30 de maio de 2013

AMO-TE, GABRIEL!

        Contos DO ANTÓNIO

                                                    
- Amo-te, Gabriel!
- Eu...eu  não posso amar-te, Magda...
- Não?
- Não...por razões técnicas.
- Por o quê??
- Razões técnicas diversas. Eu queria amar-te, gostava de te amar...
- Gostavas?
- ...até acho que te tenho algum amor...acho...
- Estás bêbado, tenho a mais deprimente certeza!
- Acreditas nisso?
-Bastante mais do que nas tuas razões técnicas, palerma!
- Mas não querias que entre nós nunca houvesse mentira?
- Sim, disse isso, mas não contava com essa imbecilidade das "razões técnicas" para não me amares! Nisso preferia que mentisses!
- Magda, nunca te mentiria, sabes isso!
- Gostava mais de não saber...
- Quando te digo que te não posso amar por causas técnicas, tu devias sentir que estou a ser sincero, a amar-te mesmo de outra maneira, ainda que não possa por...
- Porque sou algum carro e tenho a embraiagem avariada? Ou o motor gripou por falta de óleo?
- Magda!
- Ou tenho a carroçaria riscada pelo uso?
- Tem dó...
- Como posso ter disso se as razões técnicas, defeitos de fábrica, se calhar, te afastam de mim? Acabei de te dizer que te amo, Gabriel , e tu vens-me com  as avarias!
- Sinto-me mal, não te consigo fazer compreender o meu ponto de vista!
- Não consegues? Chama um mecânico, pode ser que dê mais resultado.

Eu sou mesmo muito parva!  Dedicar-me a este Gabriel das dúzias, deixar para trás promessas de gente boa e conselhos de gente mais ou menos para não me meter com este tipo, para no fim ele me chegar com a desculpa mais parva que já ouvi em muitos anos de namoro com homens mais e melhores do que o Gabriel! E não contente, hoje estúpida de todo, lhe fui garantir que o amo! Desmiolada...e mais desmiolada ainda porque sei que é verdade, penso mesmo que ele é o amor que trago aqui dentro! E estou a começar a ver que ele não merece!
- ... e ainda não é tudo, Magda, eu sofro por te fazer sofrer, mas não posso fazer outra coisa e...
Vou ter que prestar atenção ao que ele diz, oiço palavras mas não oiço o sentido. Se não está bêbado, então sou eu que o estou! Razões técnicas!! Pff!
- Magda, minha muito querida
- Mas nunca "o muito meu amor", pressente-se da conversa!
- Não me estás a ouvir, Magda!
- Poupa-me o nome, estás a gastá-lo a cada cinco segundos!
- Mag...minha querida, meu amor impossível, eu gosto muito de ti, só te não posso amar!
- Venha alguém que me dê uma explicação que me tire deste manicómio de ideias parvas e contrárias.
- Eu tiro-te!
- A paciência já ma tiraste, há mais para tirar, continua.
- Fui ao médico...
- Espero que da cabeça...
- Fu ao médico...especialista ...dos homens, sabes o que é?
- Não, apesar de tudo, como não uso pneus nem ando a gasolina super, ainda se consegue ver que sou mulher.
- Agora és tu que não estás a ser razoável. Fui a um médico andrologista, desses que sabem falar do amor entre a mulher e o seu par, sabes?...
- Insisto que me é melhor aconselhada a consulta a um ginecologista...
- Pois , mas para mim que sou homem, os ginecologistas  só trazem más notícias!
- Como?
- Se a mulher está grávida e não é casada, ou se é casada mas o marido está fora há um ano, isso não é boa notícia, convenhamos!
- Sim, aí pode haver uma razão técnica, acertaste!
- Bem , o médico olhou, mediu as suas opiniões, assustou-me pelo ar com que nada me dizia, foi um bocado chato...
-Mas não estás grávido, era a razão que faltava?!...
- Magd... Mulher, não que coisa!
Quando fomos feitas, nós mulheres, deviam-nos ter instalado um botão de alarme, uma sirene, uma batida na cabeça para as mais ceguinhas de entre as mulheres apaixonadas, para evitarmos merdices destas, dizer a um parvo destes que o amo! Só isso não me deixava ter dado este trambolhão no braços deste palerma! Agora como fico? Como é que me vou livrar deste engano sobre pernas? Disse ao troca tintas que o amava, sei lá se disse que era dele  - ai se disse, que horror! - e não tarda atira-me para um armazém de sucata ou stand de segunda mão por "razões técnicas" santo Deus!
- Minha muito amada Magda, desculpa repetir o nome, venho do tal médico e...
-Anda despacha-te!
- ... e ele disse-me que afinal sempre posso ter filhos!
- Parabéns...
- Por isso por muito que te ame, as razões são tantas que...deixo-te, vou voltar para casa, para a minha mulher...Desculpa...
- Gabriel, amo-te! Que pena!!!

 António Nunes de Almeida 

  30-05-2013

domingo, 24 de junho de 2012

PARA O QUE ME HAVIA DE DAR AOS 72 ANOS! ESCREVER E EDITAR UM LIVRO COM GALOS, AMORES, TERNURAS E O QUE MAIS ANDA POR LÁ!




            Vamos a ver se escritor velho sabe ou não sabe letras! Como línguas já sabe algumas, vá de se pôr a escrever histórias de gente simples, histórias que não melhorarão o Mundo, mas que lhe podem dar um toque positivo se existirem consciências entre as gentes que nos rodeiam.
            No livro O GALO DO ERNESTO JÁ NÃO PICA! que agora vos proponho, há, para além da picardia semi sexual que o título deixa entender, a história do que se pretende de um Alentejo que se não quer resignado. O conto ALENTEJANO MADURO, já foi premiado em concurso de quem sabe o que é esse pedaço de Portugal.
Mas as histórias seguem-se! Julgamos que se irá emocionar com a ternura de AVÔ, FALTASTE À ESCOLA ONTEM?, ou do CAIXA DE ÓCULOS, sentir como o que pode estar no espírito de um imigrante da Estónia no nosso país, e ficará espantado como pode a fria matemática interferir numa questão de partilhas …do quente amor!
É um desafio que lhe faço como autor, o qual é tentar antecipar o fim de cada história. Acho que não vai conseguir!
Recomendo que ande atento nas PASSADEIRAS ROLANTES, afine o seu modo de tangar, e vá com cuidado à Nazaré, pode ficar apaixonado!
E há complicações que cheguem, não deixe de ir ler! O livro tem o quê de se gostar dele. Olhe, e foi para o que me deu!
O GALO DO ERNESTO já está nas livrarias! É um sonho!

O “O GALO DO ERNESTO JÁ NÃO PICA!” é uma edição EDIRESISTÊNCIA – EDITAMOS LIVROS, LDA. e pode ser comprado nas boas livrarias  El Corte Inglés, Europa-América, Pó dos Livros, Ler Devagar, Letra Mais, Galileu, Letra Livre, ou pela internet, no blogue Resistencia-livros.blogspot.com


Resistência.livros@gmail.com

O SR. VOCÊ


quinta-feira, 8 de março de 2012

QUEM NÃO TEM CÃO CAÇA COM A ESTEFÂNIA!



AJUDA AÍ ANTES QUE O POLÍCIA ACORDE!

            É pr’aí que as coisas se vão derrapando como nos orçamentos das obras feitas para o Estado.
Mas nunca cheguei a pensar que a minha já tão conhecida bichana fosse “eleita” para caçar em vez de um cão!
Que ela cace ratos, tudo bem, mas a dificuldade é que os ratos estão cada vez mais difíceis de apanhar!  Olá se estão! Eles passam em frente das ratoeiras e riem-se! Só os ratos mais inexperientes mordem o isco. Mas aparece sempre depois uma ratazana que a troco duns milhos sabe como as coisas se podem empatar a caminho do esquecimento, e o inexperiente ganha calo na cauda e também nunca mais o apanham!
            Mas donde vem este desaforo de quererem pôr os gatos a caçar? Espero que seja só conversa…Tenho para mim, que esse desatino vem de não haver neste cantinho uma força democrática – deixem-me utilizar a palavra antes que se perca por falta de uso – que comande coisas tão sérias como o carapau e o estremunhado bife de todos os dias. Há mesmo vozes maldosas que lhe chamam, pela raridade, o osso de todos os meses.
            E como tudo está assim, quem não consegue nem o magro osso buco, pelas vias da usança normal, começa a olhar para o lado a ver se há canela onde possa ferrar. Sabe-se que para morder canelas o gato não é o mais indicado. Mas é o que se arranja...E dos cães é ouvir falar deles nas mercearias onde os Srs. Abrantes clamam …”Esse gajo tem cá na loja um cão enorme!” ou …”Essa ai de aipad na mão, faz-se fina, mas quem lhe fia o chouriço sou eu!”. E anda de Mercedes...
Ambas as situações são uma prova do que digo. Mas bem pior é o que acontece a quem tem mesmo que arranjar um gato bom trepador e rápido na fuga para obter o que precisa e a Santa Previdência Social lhe não dá.
Remédios ainda não são os mais atingidos pela ilegalidade. Enquanto houver reformados que troquem os remédios receitados pela malga de uma sopa, tudo vai correndo a feitio.
Porque é mesmo assim. Senão, como era antigamente com o mercado negro? Se não havia vaca, comia-se burro “extraído” na primeira quinta desprevenida. Não havia manteiga? Quando Napoleão descobriu que só havia manteiga na mesa dele e dos amigos – costume que perdurou até aos nossos dias – mandou inventar a margarina.
É preciso cobre para se terem uns cobres? Há sempre uns tipos habilidosos que vão aos postes e dão sumiço aos fios. Tenho perguntado à minha Estefânia muitas vezes, se é possível ou como é que é possível que quem usa o cacetete tão lestamente numa qualquer situação menor, não consiga ver um camião a descarregar duas ou três toneladas de fio de cobre roubado, em sucateiros de loja ao vento?
Tenho que admitir que o focinho da Estefânia nada se abriu, nada me disse.
O tal mercado negro já não existe! Reconheça-se: agora é mesmo branco e às claras.
A polémica que ameaça o sossego da minha gatinha, ter que ir caçar no escuro fora das vistas das autoridades, já vem de longe. Mas com os governantes simpáticos e atentos (o Relvas pertence só à segunda categoria) que vamos aturando, vai, cada vez com mais força, desenvolver-se o tal paralelo que não sendo uma figura geométrica, há-se ser uma pedra bicuda no sapato no Sr. Gaspar.
Há que passar pontes por cima dos obstáculos - desde que não tenhamos que as pagar duas vezes aos donos das portagens! Porque é verdade, que quem não tem cão, caça com gato. Mas não com a minha Estefânia, coitadinha!
A ela só a deixo (não posso evitar, é gato…) ir roubar carapaus ao antipático vizinho que é membro duma coisa qualquer das que mandam na gente. Ela lá se arranja…

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A GATA ESTEFÂNIA NÃO SE AGUENTOU FORA DE CASA!


A ESTEFÂNIA CONTENTE DE VOLTAR A CASA DEPOIS DE TER ROUBADO UM CARAPAU
                Toda a gente viu que a minha querida gatinha, apertada pelos desejos de não estar presa, meteu patas aos seus recursos e vendo-me irritado contra os que roubam e esfolam sem nada lhes acontecer, saiu pela janela fora com um carapau na boca.
                Tive imenso desgosto e pela companhia que me faz, era muito homem para lhe perdoar a facécia. Pois se há humanos que desviam  impunemente os seus salmões para o país das neves (coisas do upgrade, carapau é só para gatas de pé descalço sem relevo social…), porque não hei-de eu de aceitar o pequeno roubo feito pela Estefânia?
                Pois fica-se a saber que a minha gata voltou e está perdoada, não lhe vou exigir de volta o peixinho roubado.
                Mas depois das festas iniciais – como ela arqueia o lombo sob as minhas mãos para se fazer esquecer das maldades…É gata, feminina, vê-se pelo ar e gesto – dei comigo a pensar porque razão voltaria ela tão depressa para a “prisão” caseira? Costuma-se dizer “ali há gato” mas gato já ela é!
                Sabem que é difícil pensar como os ditos irracionais, categoria que decididamente atribuo mais a muitos homens do que a muitos gatos. Nunca vi um gato matar por prazer ou sadismo. Já os homens…
                Os bichos são lógicos, o disparate pegado não entra do ADN deles, pelo que sendo eu dono, sim senhor (julgo…) mas humano, acredito que não é assim com qualquer treta que sei o que a Estefânia pensa ou quer. Aqui o hábito faz o gato, percebem bem o trocadilho?
                Mister é, portanto, com os defeitos de homem analisar o comportamento da gata. Uso a intuição, posso?
                E essa feminil virtude misteriosa e profunda, levou-me a concluir porque razão a Estefânia não se aguentou fora de casa!
Porquê? Deduza-se então.
Como não é possível que ela tenha tido conhecimento de que há um senhor muito bem posto que está a projectar um peditório para as suas despesas, e como igualmente se vê difícil o regresso dela à vida de andar ao caixote, modo de vida esse, que não lhe servindo, se está a tornar comum a despedidos e reformados, onde poderá estar a razão de tão repentino regresso?
                Se ela fosse gente de casaco, gravata e anel de pedras no dedo, eu diria que teria criado um horror aos impostos, à obrigação de os pagar a bem de todos como consta na lei vigente, ainda que só para alguns, percebe-se! Mas não, é gato não paga impostos, à semelhança de muitos importantes da nação.
                Como não tem propriedades vendáveis a chineses e africanos, poderá estar por aí a razão do regresso. Falta de preocupação com liquidez e dívida externa, certamente.
Claro que há os que são ricos porque têm muitas dívidas, mas fazem as orelhas moucas às responsabilidades. Outros que paguem! Os poderosos é que nunca, senão arriscavam-se a deixar de ser clientes de bons carros e estâncias de luxo. Já se entende o prejuízo que isso iria causar ao turismo da Grécia? Hem? Pode lá ser, prejudicar os pobres e escalavrados gregos?
A dar-se o caso dos eminentes pagarem impostos como os mais necessitados, o que é que aconteceria aos fundos da solidariedade internacional? Se calhar iriam também causar sérios problemas aos bancos das Ilhas Caimão, quem sabe? Que horror prejudicar os pobrezinhos! Nem pensar!
A minha Estefânia…como a compreendo… como nada tem escondido para comerciar, não precisa de fingir que é desprovida de meios.
Como não tem nenhum familiar pobrezinho lá fora com enormes contas nos bancos a quem ajudar, pode dormir.
A Justiça não lhe pega, faça ela o que fizer menos roubar pouco, e como sou eu, contribuinte privado e público, que lhe paga a sarda fresca, …voltou para casa! Clarinho, não?
           Que raiva me faz vê-la feliz a ronronar na almofadinha ao pé da lareira! E paga por mim com IVA novo e tudo!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A GATA ESTEFÂNIA NÃO GOSTA DE ESTAR PRESA!


A gata Estefânia é como certos portugueses, não gosta de estar presa, que hei-de fazer?

É um facto indesmentível: a minha Estefânia detesta estar presa! E quero dizer-vos que o tipo de prisão é domiciliária e o que a gata tem ao pescoço é uma simples coleira contra as pulgas ou bichos afins, e não é nem por sombras uma pulseira de controlo à distância!
Mas não gosta e pronto! Tenho que recordar que a gata foi apanhada por mim no Largo de D.Estefânia onde lutava sem muito resultado contra a escassez de carapau nos caixotes do lixo. Não fui espreitar, mas nada me custa a crer que havia concorrência humana na colheita das comidas lançadas ao lixo. Pobre gata!
Bom agora já recordei os tempos maus da minha Estefânia, vendo-se já com clareza porque tenho uma gata em casa com quem vou falando às vezes.
É muito humana nas reacções, quando lhe falo, feroz e iracundo, dos tribunais que põem na rua criminosos apanhados em flagrante ou quase, o felino olha para mim e deve pensar pelo que vejo no movimento dos bigodes, que isso não estará certo, mas que compreende que essas pessoas, mesmo depois de serem apanhadas a rebentar à bomba as caixas de multibanco, odeiem ir presas. É natural, não é?
Estava eu a ler no jornal que as autoridades depois de apanharem uns indivíduos de raça cigana, os libertaram com ordens de aparecerem na esquadra de oito em oito dias! Ora se eu abrir a porta à minha Estefânia, o que é que hei-de esperar? Que volte? Nem pensar! Porque ela tem o seu quê de nómada como os gatunos a quem mandam apresentar periodicamente numa esquadra! Parvoíce da grossa!
E se ela desaparecesse, sem quaisquer consequências além do desgosto que me causava, dava-lhe razão e força para ela repetir a gracinha! Pois se nada lhe acontecia por roubar carapaus, verdade indesmentível é que dessa forma o crime não só compensa como é estimulado!
Ela como animal não falante, nunca me disse se percebe o que vê na televisão – em certas alturas ninguém a tira da frente do televisor – mas posso desconfiar que há coisas que não lhe escapam. A pouca vergonha, a falta de autoridade a que se assiste, é de molde a espantar qualquer menos distraído ou até o meu bichano!
Vejam lá que outro dia estava, melhor dizer estávamos, a ver um noticiário que falava de uns pobres coitados que com imenso trabalho metiam o seu vasto dinheiro em sítios bem recatados, longe do olhar de qualquer gato-sapato que lhes pudesse vir a fazer a desfeita de lhes cobrar impostos! Ora isso pode lá ser, Estefânia! É crime?
Rouba a sério um homem com evidente sacrifício da sua vida privada e familiar, para ser sujeito a prisões e impostos? Nunca! Mas ele é algum vulgar contribuinte para o tratarem dessa maneira! E ser preso por isso?
Não achas bem, bichana, que não prendam quem não declara impostos e tem ganhos súbitos e tamanhos?
O quê, achas? É surpresa para mim que pensava que isso era crime de lesa economia…Mas se pensas que é mal feito incomodar esses homens de negócios de todas as cores menos o branco, lá saberás na tua serena e gatal opinião.
E os merceeiros que vendem cá as cebolas mas depositam as lecas lá fora? Também está certo? E as empresas com capital do Estado que abrem “escritórios” lá para os lados das tulipas? É só flores, não é…
Não gosto desse teu miado de indiferença. Pareces as Finanças sempre a olharem para baixo para não cheirarem o esturro lá de cima!
           Tenho que gritar contigo – já que ninguém me ouve – que há leis neste país! Está bem…desculpa…há leis que não são para todos, bem sabemos que o tamanho da conta bancária é inverso ao alcance da lei. MAS NÃO DEVIA SER, gata de uma figa!
E depois vem o grande convite ao crime: a polícia apanha, os tribunais soltam! Os meliantes batem e roubam à vontadinha, e saem depressinha do tribunal em liberdade, enquanto a vítima fica uns tempos por lá a pagar a queixa!
Como poderei eu ou outro humano cumpridor respeitar a lei? Se um figurão, faça o que fizer, não vai preso porque tem dinheiro e excelentes advogados, terei ou não o direito de fazer o mesmo que ele? Sim, tenho! Mas não posso! É que sou da imensa arraia-miúda, faço por cumprir as leis e nem tenho dinheiro para pagar a advogados principiantes quanto mais a outros, se for apanhado nalguma falta!
Ei! Qué lá isso?! A gata saiu sorrateira pela janela! Acha-se importante, e por isso entende que não pode ser presa e fechada em casa! Animais!...