POSSO?
- Posso?
- Depende.
- Depende do quê?
- Daquilo que a
senhora pretenda.
- Ocupação útil.
- Para si?
- Vê mais alguém aqui
ao meu lado?
- Podia ser para um
neto seu, uma sobrinha acabada de sair da Universidade, enfim, alguém jovem...
- Podia, nisso tem
razão, desculpe o começo de conversa.
- Ora essa, minha
senhora.
- Mas é mesmo para
mim. As respostas habituais deram vinagre à minha forma de falar.
- Entendo...
- Entende?
- Bom, faço por isso,
olho para si e vejo que se lhe deve respeito!
- E ocupação útil,
não?
- Hesito na
resposta...
- Hesita porque tem
uma ocupação que me pode ser útil e não ma quer dar, ou há outras razões?
- Hesito porque temos
um lugar em aberto, mas não estou certo de que possa ser para si...
- Que fazem nesse
lugar aberto? O que soube era de um posto de atendimento telefónico a clientes.
É esse?
-
Efectivamente...mas...que idade tem a senhora, se me permite a pergunta?
- Claro que permito e
atá aprovo a pergunta: 72 anos.
- Não diria tantos, a seu
aspeto e a sua voz são para menos idade.
- A minha voz tem
quantos anos na sua interpretação?
- É difícil, tem uma
voz linda, modulada, até de certo modo, jovem...
- Percebe-se bem o que
digo? Tenho um curso de canto e dicção.
- Verdade?
- Fiz teatro, sei
falar com as pessoas, e em três línguas corretamente.
- Vejo e oiço que sim,
mas...
- O que é esse
"mas"?
- O ordenado...o
trabalho é por turnos...
- Já não tenho filhos
nem marido à espera, os turnos da noite não me incomodam, durmo pouco, apenas o
indispensável. E o teatro habituou-me a desalinhos de horas.
- ...o ordenado é
pequeno, pode ter que subir escadas...
- Para falar mais
alto? Ou o prédio não tem elevador? O serviço não é ao telefone?
- Vejo que
argumentação não é uma falta sua!
- Então as escadas não
contam...E já lhe perguntei qual é o ordenado?
- Não...nem lho disse,
mas é coisa de nada, deve ser pouco para as suas necessidades...
- Seja qual for, se
dentro da legalidade, não é pouco para mim. Pedi-lhe ocupação, não ordenados.
Acha boas as minhas credenciais?
- Não as posso negar,
mas setenta e dois anos...
- Acha que os clientes
da sua empresa se souberem a minha idade deixam de lhe comprar os serviços?
Tenciona pôr um cartaz à porta a anunciar que tem uma idosa a atendê-los?
- A sua memória...não
fraqueja? É sempre uma possibilidade...
- De si sou capaz de
me vir a esquecer, talvez, mas nunca me esqueço de cumprimentar bem as pessoas
e...o seu serviço tem um formulário com as respostas, não tem?
- Tem...mas...lamento
não a posso...
- Não me pode admitir,
é isso?
- ...É.
- Um primeiro e último
favor:
- Diga.
- Telefone à sua avó e
diga-lhe que ganhou a aposta!
- Aposta?
- Sim, apostou comigo
que o senhor era um cretino que não daria emprego a uma pessoa competente que
não usasse mini-saia ou calções para atender um telefone.
Está muito bem e actual. Gostei.
ResponderEliminarDelicioso, actual e...simpático conto.
ResponderEliminarVou procurar emprego!!!
ResponderEliminar