segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O VARREDOR DE LIXO DAS 3.30 DA MANHÃ!




            Vi tirar conscienciosamente lixo da rua às 03.30 da manhã! Vi da janela da minha casa e custava a acreditar.
            Quem pode crer que às 3,30 da madrugada um homem solitário, sem qualquer inspector a ver se varria ou se se limitava a fumar um cigarro em qualquer recanto abrigado em vez de trabalhar? Sim, quem?
            E mais do que varrer, fazia-o com toda a consciência, procurando papéis e detritos debaixo dos carros, nos esconsos dos prédios, em todos os sítios onde o chamado humano normal faz a anormalidade de deixar lixo para que alguém trate de o fazer desaparecer!
            Talvez esse anormal atire para o chão à sua passagem, todas as espécies de maços de cigarro, pacotes vazios de bebidas e chocolates, sem cuidar de quem terá que limpar todo esse lixo, sem cuidar de nada senão do seu impróprio comodismo.
            Por certo esse humano normal que faz anormalidades sem dar por isso, seja o mesmo que antes de deitar a pirisca para o chão durante o tempo de uma conversa entre amigos, use esses mesmos amigos para criticar que "…esta cidade está uma porcaria, olhem para este lixo todo na rua!".
            Terá outros humanos que tais que lhe responderão igualmente indignados "… os políticos são todos o mesmo, cantam limpezas antes das eleições, e ficam surdos depois quando há que manter as ruas limpas, como a casa de banho que tenho lá em casa!". 
            Adivinhe-se: sem querer observar a casa de cada um desses humanos normais, adivinhemos onde colocarão as embalagens das pipocas e as beatas dos cigarros que fumarão ao longo do seu jogo de futebol ali em direto pela TV. 
             E o que ensinarão aos catraios masculinos sobre a separação de lixos para reciclagem? Aos garotos machos, porque as miúdas são ensinadas por algumas mães, a arrumarem o que as calças compridas da família deixam pelo chão, para isso é que há mães, ou então para que serviriam?
            Conheci de verdade em tempos idos, uma mulher empregada de um departamento estatal, que se queixava amargamente de que depois do dia a atender pessoas e casos, chegava a casa para enfrentar, calças e cuecas do marido e do filho semeadas pelo chão, toalhas ensopadas no soalho da  casa de banho ainda ali em "estágio" depois dos banhos da manhã e todo uma lista de anormalidades praticadas sem pejo nem arrependimento pelos masculinos da família.
            Mesmo sabendo bem qual seria a resposta, perguntei porque ao menos não tentava ensinar o filho a agir de modo mais civilizado:
            - Ele é assim, sabe…
            - E a senhora acha que isso é normal, ser arrumadora doméstica  por penitência?
            - Que hei-de fazer? O pai faz, o Jorginho imita, mas é sim senhor, um calvário…
            - E o que pensa a D. Adelaide que vai acontecer quando o seu desarrumado Jorginho se casar? Acha que não vai martirizar outra mulher como a senhora?
            Mesmo afirmando-lhe que é para isso, criar condições para fazer outra mulher arrumadora/mártir, que ela estava a não educar o tal Jorginho, não fui capaz de a demover de construir, toalha a toalha, cueca a cueca,  a pesada saga para ela e para a nora vindoura. "Eles são assim", dirá sempre!
            Vejo o humano macho dela a  deitar para os recantos públicos, o tal lixo de que se virá a queixar de estragar a limpeza das ruas. Pode parecer que não, mas há ligação direta entre as toalhas ensopadas no chão, e as latas vazias que o nosso consciencioso varredor das 3,30 da manhã procurava, varria para a sua pá, antes de andar bons metros até as largar no  grande caixote do lixo da minha rua onde por várias vezes o vi a trabalhar às 3,30 horas da madrugada. Honra lhe seja feita!
            Esta crónica pode não ter grande beleza, nem grande estilo, mas o homem que a horas perdidas varre sozinho a minha rua, existe, já o vi mais do que uma vez. Parece incrível, mas é real.
            Desconheço se faz greves ou não, se geme falhas no seu orçamento familiar, se durante o dia tenta "fazer a semana" com outro emprego qualquer. Mas há uma coisa que sei e acho que posso garantir: o varredor das 3.30 horas não se chama Jorginho!


António Nunes de Almeida

1 comentário: