Vi tirar conscienciosamente lixo da rua às 03.30 da manhã! Vi da janela da minha casa e custava
a acreditar.
Quem pode crer que às 3,30 da
madrugada um homem solitário, sem qualquer inspector a ver se varria ou se se
limitava a fumar um cigarro em qualquer recanto abrigado em vez de trabalhar?
Sim, quem?
E mais do que varrer, fazia-o com
toda a consciência, procurando papéis e detritos debaixo dos carros, nos
esconsos dos prédios, em todos os sítios onde o chamado humano normal faz a
anormalidade de deixar lixo para que alguém trate de o fazer desaparecer!
Talvez esse anormal atire para
o chão à sua passagem, todas as espécies de maços de cigarro, pacotes vazios de
bebidas e chocolates, sem cuidar de quem terá que limpar todo esse lixo, sem
cuidar de nada senão do seu impróprio comodismo.
Por certo esse humano normal que faz
anormalidades sem dar por isso, seja o mesmo que antes de deitar a pirisca para
o chão durante o tempo de uma conversa entre amigos, use esses mesmos amigos
para criticar que "…esta cidade está uma porcaria, olhem para este lixo todo
na rua!".
Terá outros humanos que tais que
lhe responderão igualmente indignados "… os políticos são todos o mesmo,
cantam limpezas antes das eleições, e ficam surdos depois quando há que manter
as ruas limpas, como a casa de banho que tenho lá em casa!".
Adivinhe-se: sem querer observar a casa de cada
um desses humanos normais, adivinhemos onde colocarão as embalagens das
pipocas e as beatas dos cigarros que fumarão ao longo do seu jogo de futebol
ali em direto pela TV.
E o que ensinarão aos catraios masculinos sobre a separação
de lixos para reciclagem? Aos garotos machos, porque
as miúdas são ensinadas por algumas mães, a arrumarem o que as calças compridas da
família deixam pelo chão, para isso é que há mães, ou então para que
serviriam?
Conheci de verdade em tempos idos,
uma mulher empregada de um departamento estatal, que se queixava amargamente de
que depois do dia a atender pessoas e casos, chegava a casa para enfrentar, calças
e cuecas do marido e do filho semeadas pelo chão, toalhas ensopadas no soalho da casa de banho ainda ali em
"estágio" depois dos banhos da manhã e todo uma lista de
anormalidades praticadas sem pejo nem arrependimento pelos masculinos da família.
Mesmo sabendo bem qual seria a
resposta, perguntei porque ao menos não tentava ensinar o filho a agir de
modo mais civilizado:
- Ele é assim, sabe…
- E a senhora acha que isso é
normal, ser arrumadora doméstica por penitência?
- Que hei-de fazer? O pai faz, o
Jorginho imita, mas é sim senhor, um calvário…
- E o que pensa a D. Adelaide que
vai acontecer quando o seu desarrumado Jorginho se casar? Acha que não vai
martirizar outra mulher como a senhora?
Mesmo
afirmando-lhe que é para isso, criar condições para fazer outra mulher
arrumadora/mártir, que ela estava a não educar o tal Jorginho, não fui capaz de
a demover de construir, toalha a toalha, cueca a cueca, a pesada saga para ela e para a nora vindoura.
"Eles são assim", dirá sempre!
Vejo o humano macho dela a deitar para os recantos públicos, o tal lixo
de que se virá a queixar de estragar a limpeza das ruas. Pode parecer que não,
mas há ligação direta entre as toalhas ensopadas no chão, e as latas vazias que
o nosso consciencioso varredor das 3,30 da manhã procurava, varria para a sua pá, antes de andar
bons metros até as largar no grande
caixote do lixo da minha rua onde por várias vezes o vi a trabalhar às 3,30
horas da madrugada. Honra lhe seja feita!
Esta crónica pode não ter grande
beleza, nem grande estilo, mas o homem que a horas perdidas varre sozinho a
minha rua, existe, já o vi mais do que uma vez. Parece incrível, mas é real.
Desconheço se faz greves ou não, se
geme falhas no seu orçamento familiar, se durante o dia tenta "fazer a
semana" com outro emprego qualquer. Mas há uma coisa que sei e acho que
posso garantir: o varredor das 3.30 horas não se chama Jorginho!
António Nunes de
Almeida
Há tantos Jorginhos! bonito conto e educativao
ResponderEliminar