quinta-feira, 24 de novembro de 2011

AS TIME GOES BY...



                                            Foto Jaime Bahia

You must remember this
A kiss is just a kiss, a sigh is just a sigh.
The fundamental things apply
As time goes by

             Os dedos passeavam pelo teclado branco e negro. Havia uma certa atração pelo marfim e menos pelo ébano... Memórias de McCartney e Steve Wonder? Há sempre memórias em cada coisa que se cria de novo. Nada se cria nada se perde tudo aparece outra vez para grande aborrecimento de quem gostaria de verem desaparecidas as chatices, as dívidas e os frangos de fricassé.
            Outros veriam com agrado os inimigos transformarem-se em qualquer coisa invisível já que não os podem eliminar da terra por causa da tal lei que o Lavoisier inventou para nos estragar a vida.
            Mas as teclas do piano eram um entretenimento para as mãos a que a cabeça não ligava nenhuma.
            A cabeça, ou na cabeça, a música vinha do cinema de um filme passado milhões de vezes nos canais da memória (lá está ela, a memória, como disse!) ou na recordação de algum amor perdido. Porque, confesse-se, era mesmo o fantasma de um amor ido não se sabe para onde e com quem, que agitava os dedos e lhe mortificava as ideias.
Oiça-se quem vagueava.
            - A canção devia ter sido escrita por um idiota que nunca se apaixonou e sofreu com a perda respectiva…”Oh yes, the world will always welcome lovers, as time goes by”. Parvalhão!
            Como mulher que sou há um pouco mais de quarenta anos, como costumo dizer a quem tem a indelicadeza de perguntar, sei bem que o mundo afirma receber bem os amorosos, mas nada diz, qualquer coisa de verdade ou de mentira que seja, sobre os amores desfeitos a cada esquina da vida! Para esses o tempo só passa e nunca o faz de uma forma bem-vinda!
            Um beijo para mim nunca foi, se dado a quem o merecia, apenas um beijo e nada mais do que isso! Seria uma ofensa ao amor, à dádiva de mim própria e essa é uma das razões porque repudio o tontinho que escreveu essa música – bem a música talvez não seja de deitar fora, é bonita ou era bonita quando eu tinha amor à minha espera! Mas a letra, essa lamechice é um mal que de certeza não veio por bem.
            Tenho idade – sabem-na aproximada… - para não ter sonhos de garotinha e deleites de virgem. Aceito isso com pouco fervor mas imensa paciência.
 Ele era casado, mas quantos eles são casados neste tapete onde nos enrolamos? Muitos. Demasiados. Quase todos! Se a vida não fosse tão estúpida para uma mulher apaixonada, havia de arranjar-se para haver mais igualdade entre o número de disponíveis e de carimbados no registo civil.
            Mas como não é assim, uma mulher e até um homem, sejamos claros, tem que usar um colete à prova das flechas do tal miúdo das parvoíces mitológicas, para não se arriscar a cair nos erros das escolhas trocadas.
            O meu “erro” era um pouco mais velho do que eu. Trabalhava – dizia ele, e já nem sei se isso era uma garantia em que eu pudesse acreditar ou uma mentira que eu aceitei – numa empresa de componentes para os computadores. E toda a gente sabe que os computadores andam por todo o lado, nunca ficam sempre no mesmo sítio. Como é que eu pude acreditar numa mobilidade destas!!! Móvel era ele o que me dava a mim uma dificuldade terrível de o encontrar num sítio do costume (estes amores com gente casada têm sempre “um sítio do costume”) e muitas das vezes nem em sítio nenhum!
            Hoje, de coração partido e fúria bem colada, arranco cabelos (é só expressão porque nenhum homem vale um só dos meus cabelos) só de pensar como é que fui tão parva…
            Como ele gostava de música, fui aprender a tocar piano. O que gastei nisso! Mas gastei e gostei, valha-me o gosto e que se lixe o gasto.
            Como gostava de cinema, lá ia eu para as filas de trás para um debate de mãos e outras coisas menos contáveis aqui.
No tal filme pareceu-me reconhecer a ilusão completa e cumprida. Seria eu para ele o amor que voltava de um país onde nos tínhamos amado ainda que eu nunca tenha passado de Badajoz. E tocava na mente a maldita música que o negro cantava tão bem.
Voz, eu não tinha, a minha boca abria-se para falar de amor, para amar beijando e as cantorias ficavam por conta do artista do filme.
            O meu “erro”, o Silvestre – se esse era mesmo o nome do sujeito… - não era nada parecido com o Bogart, nada, mas para mim era e muito! Coisas da cegueira amorosa.
            Olho para as minhas mãos e vejo-as a dedilhar sonhos antigos no piano. Sozinhas elas ou movidas pelas lembranças das tardes – nunca das noites que essas, eram para a legítima, dizia ele – passadas in  love e  esquecidas do caramba do mundo que nos envolvia..
            Que sonhava eu, parvalhona, então? Vejamos as razões do disparate.
            - Tu és para mim a mulher com que sempre sonhei!
            - Tu és para mim a deusa do amor, a vida do meu coração, a mulher que me completa!
            E eu ia nestas parvoíces! Mulher apaixonada é o mesmo que parvinha cega, não se duvide! E quanto mais cega menos vê e quanto menos vê, mais se apaixona. Alguém haverá de no futuro declarar esta frase como uma alta definição filosófica, sei mesmo se um silogismo de tomar nota em algum livro daqueles que os pretensiosos e famosos lêem em casa para dizer nas ruas às bonecas de boca aberta com quem andam.
            Noutra parte da canção o monstro que a escreveu pôs lá, And  when two lovers woo/ They still say “I love you”… assim em inglês. Que quereria ele que os amantes dissessem? Que não se amavam?
            Por mim, faço tenção de olhar bem para um lado e para o outro, duas vezes até, antes de atravessar a rua dos amores. Porque apesar do desastre do Silvestre dos computadores móveis, ainda gosto de um luar bonito. E sou muito capaz de não resistir a uma cantiguita de amor…se for cantada como deve ser, por quem deve ser. As boas canções e os bons amores nunca passam de época…Não será bem a minha opinião pensante, mas é, contrariada o digo, o sentir do meu ser de mulher, que hei-de fazer? As coisas mudam…Mordidela de cão dizem que se cura com pelo de cão…O tempo vai passando…
            Mas nem sei porque digo para mim estas coisas, hoje, na véspera do meu casamento com o Mário. Amanhã vou pedir que toquem aquela música “As time goes bye”.
Eu não queria, mas caso-me porque me pareceu ver ao pé do piano um homem de cigarro ao canto da boca que me disse;
            - Play it again, parva!

3 comentários:

  1. Play it again Sam! Escreve mais António! Lindo e fui cantando o "You must remember this" à medida que ia lendo.

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  2. vamos a ver se desta vai....
    "You must remember this" Belo título!!!!
    Gostei imenso.... de verdade, António! Conseguiste prender o meu interesse e provocar a minha curiosidade no desfecho...BRAVO!!!
    Um abraço do coração...
    não sou anónima... sou a milu... mas ocomentario ja me fugiu três vezes....a informática e eu não nos damos lá muito bem......))))))

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  3. Fantástico António, prende a atenção até ao fim e este é sempre surpreendente. "A kiss is just a kiss, a sigh is just a sigh". Continua a dar estes sinais.

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