Foto Jaime Bahia
You must remember this
A kiss is just a kiss, a sigh
is just a sigh.
The fundamental things apply
As time goes by
Outros veriam com agrado os inimigos transformarem-se em
qualquer coisa invisível já que não os podem eliminar da terra por causa da tal
lei que o Lavoisier inventou para nos estragar a vida.
Mas as teclas do piano eram um entretenimento para as
mãos a que a cabeça não ligava nenhuma.
A cabeça, ou na cabeça, a música vinha do cinema de um
filme passado milhões de vezes nos canais da memória (lá está ela, a memória,
como disse!) ou na recordação de algum amor perdido. Porque, confesse-se, era
mesmo o fantasma de um amor ido não se sabe para onde e com quem, que agitava
os dedos e lhe mortificava as ideias.
Oiça-se
quem vagueava.
- A canção devia ter sido escrita por um idiota que nunca
se apaixonou e sofreu com a perda respectiva…”Oh yes, the world will always welcome lovers, as time goes by”.
Parvalhão!
Como mulher que sou há um pouco mais de quarenta anos, como
costumo dizer a quem tem a indelicadeza de perguntar, sei bem que o mundo
afirma receber bem os amorosos, mas nada diz, qualquer coisa de verdade ou de
mentira que seja, sobre os amores desfeitos a cada esquina da vida! Para esses
o tempo só passa e nunca o faz de uma forma bem-vinda!
Um beijo para mim nunca foi, se dado a quem o merecia,
apenas um beijo e nada mais do que isso! Seria uma ofensa ao amor, à dádiva de
mim própria e essa é uma das razões porque repudio o tontinho que escreveu essa
música – bem a música talvez não seja de deitar fora, é bonita ou era bonita
quando eu tinha amor à minha espera! Mas a letra, essa lamechice é um mal que
de certeza não veio por bem.
Tenho idade – sabem-na aproximada… - para não ter sonhos
de garotinha e deleites de virgem. Aceito isso com pouco fervor mas imensa
paciência.
Ele era casado, mas quantos eles são casados neste tapete onde nos
enrolamos? Muitos. Demasiados. Quase todos! Se a vida não fosse tão estúpida
para uma mulher apaixonada, havia de arranjar-se para haver mais igualdade entre
o número de disponíveis e de carimbados no registo civil.
Mas como não é assim, uma mulher e até um homem, sejamos
claros, tem que usar um colete à prova das flechas do tal miúdo das parvoíces
mitológicas, para não se arriscar a cair nos erros das escolhas trocadas.
O meu “erro” era um pouco mais velho do que eu.
Trabalhava – dizia ele, e já nem sei se isso era uma garantia em que eu pudesse
acreditar ou uma mentira que eu aceitei – numa empresa de componentes para os
computadores. E toda a gente sabe que os computadores andam por todo o lado,
nunca ficam sempre no mesmo sítio. Como é que eu pude acreditar numa mobilidade
destas!!! Móvel era ele o que me dava a mim uma dificuldade terrível de o
encontrar num sítio do costume (estes amores com gente casada têm sempre “um
sítio do costume”) e muitas das vezes nem em sítio nenhum!
Hoje, de coração partido e fúria bem colada, arranco
cabelos (é só expressão porque nenhum homem vale um só dos meus cabelos) só de
pensar como é que fui tão parva…
Como ele gostava de música, fui aprender a tocar piano. O
que gastei nisso! Mas gastei e gostei, valha-me o gosto e que se lixe o gasto.
Como gostava de cinema, lá ia eu para as filas de trás
para um debate de mãos e outras coisas menos contáveis aqui.
No
tal filme pareceu-me reconhecer a ilusão completa e cumprida. Seria eu para ele
o amor que voltava de um país onde nos tínhamos amado ainda que eu nunca tenha
passado de Badajoz. E tocava na mente a maldita música que o negro cantava tão
bem.
Voz,
eu não tinha, a minha boca abria-se para falar de amor, para amar beijando e as
cantorias ficavam por conta do artista do filme.
O meu “erro”, o Silvestre – se esse era mesmo o nome do
sujeito… - não era nada parecido com o Bogart, nada, mas para mim era e muito!
Coisas da cegueira amorosa.
Olho para as minhas mãos e vejo-as a dedilhar sonhos
antigos no piano. Sozinhas elas ou movidas pelas lembranças das tardes – nunca
das noites que essas, eram para a legítima, dizia ele – passadas in
love e esquecidas do caramba do mundo que nos
envolvia..
Que sonhava eu, parvalhona, então? Vejamos as razões do
disparate.
- Tu és para mim a mulher com que sempre sonhei!
- Tu és para mim a deusa do amor, a vida do meu coração,
a mulher que me completa!
E eu ia nestas parvoíces! Mulher apaixonada é o mesmo que
parvinha cega, não se duvide! E quanto mais cega menos vê e quanto menos vê,
mais se apaixona. Alguém haverá de no futuro declarar esta frase como uma alta
definição filosófica, sei mesmo se um silogismo de tomar nota em algum livro
daqueles que os pretensiosos e famosos lêem em casa para dizer nas ruas às
bonecas de boca aberta com quem andam.
Noutra parte da canção o monstro que a escreveu pôs lá, And when two lovers woo/ They still say “I love
you”… assim em inglês. Que quereria ele que os amantes dissessem? Que não
se amavam?
Por mim, faço tenção de olhar bem para um lado e para o outro,
duas vezes até, antes de atravessar a rua dos amores. Porque apesar do desastre
do Silvestre dos computadores móveis, ainda gosto de um luar bonito. E sou
muito capaz de não resistir a uma cantiguita de amor…se for cantada como deve
ser, por quem deve ser. As boas canções e os bons amores nunca passam de
época…Não será bem a minha opinião pensante, mas é, contrariada o digo, o
sentir do meu ser de mulher, que hei-de fazer? As coisas mudam…Mordidela de cão
dizem que se cura com pelo de cão…O tempo vai passando…
Mas nem sei porque digo para mim estas coisas, hoje, na
véspera do meu casamento com o Mário. Amanhã vou pedir que toquem aquela música
“As time goes bye”.
Eu
não queria, mas caso-me porque me pareceu ver ao pé do piano um homem de
cigarro ao canto da boca que me disse;
- Play it again, parva!
Play it again Sam! Escreve mais António! Lindo e fui cantando o "You must remember this" à medida que ia lendo.
ResponderEliminarvamos a ver se desta vai....
ResponderEliminar"You must remember this" Belo título!!!!
Gostei imenso.... de verdade, António! Conseguiste prender o meu interesse e provocar a minha curiosidade no desfecho...BRAVO!!!
Um abraço do coração...
não sou anónima... sou a milu... mas ocomentario ja me fugiu três vezes....a informática e eu não nos damos lá muito bem......))))))
Fantástico António, prende a atenção até ao fim e este é sempre surpreendente. "A kiss is just a kiss, a sigh is just a sigh". Continua a dar estes sinais.
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