Onde estás tu ó Justiça portuguesa? |
Estava
eu aqui à conversa com a minha gata Estefânia dizendo-lhe que não entendia
porque razão o carapau de gato estava ao preço das ovas de esturjão. Quando lhe
dizia isto, pensava o que valeria o próprio esturjão sem as ovas. Se calhar,
nada. Peixe sem bolinhas pretas é desperdício, no ver do homem que se diz
civilizado. E sendo assim, lixo com ele!
Desde
que estou sozinho, não foi sempre a Estefânia a minha companhia inteligente,
não! Tive uma coruja que me ouvia com a maior das atenções, fixando em mim o
seu olhar arguto. Eu podia dizer-lhe tudo que nunca vi da parte dela um gesto
de aborrecimento! E olhem que é notável porque com a minha idade, já ninguém
está para me ouvir, é pena mas é verdade.
Mas
até a coruja se fartou de me ouvir a queixa dos medicamentos mais caros, da
vida cada vez pior, de já de nada valer ter mais do que 65 anos como eu tenho,
porque nem nos eléctricos me dão desconto. E bateu asa pela janela fora.
A
ave é de rapina, está bem, mas fazia-me falta e fui por ela por essa cidade
toda.
Querem
acreditar neste velho mas não inválido da cabeça? Fui encontrá-la feliz e
cevada! Pelo ar nutrido dela logo se viu onde andava a rapinar, nada mais nem
menos que ali para os lados do Terreiro do Paço, junto ao Ministério das
Finanças.
Vi
a vantagem que a espertíssima ave já tinha adivinhado antes de mim! Qual era?
Peixe farto no rio – muito embora a especialidade dela fossem os ratos – e
sustento abundante e variado no edifício onde agora estava a poisar.
Pois
foi desta forma triste e aziaga que tive que desencantar uma gata – as pessoas
os gatos querem, as gatas só se forem de duas patas! – para prestar carinhos ao
animal que me havia de fazer companhia.
Andava
aos sustentos junto ao Hospital da Estefânia, o que lhe cravou logo o nome que
ostenta orgulhosamente e sem piar, digo miar.
E
foi da maior sorte a escolha! Se lhe contava do já um tanto trôpego e antigo
sapateiro da loja abaixo (agora fechada) que de tão antigo, fora parco trabalhador
a descontar para a velhice, pelo que recebia uma reforma ainda mais parca mal
chegante para cobrir as taxas que o Governo lhe lançava, nunca vi a Estefânia
deitar mais de que um miado indiferente. Como às vezes os animais são tão
parecidos com os homens, credo!
Não
me custa entender que ela nem mie se lhe conto que, se eu já estou com
dificuldade em comprar-lhe o chicharro, não consigo entender como tanta gente
pode comer sem ser na “sopa do Sidónio” deste desgraçado tempo. Vejam, famílias
inteiras de saco e plástico na mão e marmita nas filas da caridade!
E
não estão lá por vontade própria, porque querem comer! Não! Estão é a fazer
concorrência desleal àqueles sem abrigo voluntários que em sítios certos
recebem das bondosas senhoras da sociedade, roupa, tabaco – da droga tratam
eles mesmo - e alimento certo e as horas exactas para poderem manter o seu
baixo nível de vida sem cedências ao mundo!
Espera,
oiço qualquer coisa…ah, foi a Estefânia que miou de vergonha!
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