sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

EU, A INFORMÁTICA E AS ESTRELAS



            A vida de reformado tem destes momentos bons, sabemos quem cá anda. Mas deitar tarde e tarde erguer, pode ser que dê saúde e faça crescer as nossas gentes, mas é uma chatice pegada!
            Foi assim numa noite destas, vai para algumas semanas, que me deu para o romantismo antigo, o de ver estrelas e sonhar com Vénus!
            Ora a descoberta veio logo daqui, do disparate de estar à varanda a ver estrelas, e meter Vénus no assunto! Alhos com estrelas ou bugalhos com Vénus!
            Fui lá dentro onde tenho uns tantos livros, e procurei um atlas – coisa que dado o facto dos atlas serem sempre muito grandes, não custou muito a encontrar mesmo às escuras para não perder a visão do firmamento, bem lindo que ele estava naquela noite! – e, bem…não se julgue que não fosse capaz de saber o que é um planeta e uma estrela. Fácil é, porque um tem um lampião sempre aceso e as outras têm estrelinhas de pisca e acende!
            Estabelecido que sei a diferença, fica esclarecido para não se perder mais tempo com ideias falsas sobre a minha ciência astronómica, que é como já disse, uma questão de luzinhas no céu, mas que mesmo assim achei que podia muito bem dedicar o meu tempo nocturno a ver o que estudaria durante o “horário diurno”.
            E com a experiência que a idade já me dá, resolvi começar pelo princípio, pleonasmo que seja, mas muito prudente.
            Tenho lá por casa um computador cheio de programas e confusões para um idoso (boa desculpa, não?) da minha idade. Não sei bem quem o fez, quem meteu lá dentro dos araminhos todos curvados e chapinhas às cores as coisas que nós queremos, mas no computador para quem souber procurar, há nebulosas de informação sobre estrelas e mistérios celestes do mesmo jaez.
Para quem souber procurar, disse e disse bem! Não vale tentarem envergonhar-me com sorrisos condescendentes como se a minha confissão de um buraco negro da minha lista de saberes, não fosse já de si razão penosa para sorrisos…mas amarelos! Até porque dei comigo sabiamente a frequentar uma sociedade especializada nesses céus que nos cobrem, o que acho sem falsas modéstias, muito meritório, nada de menos do que isso.
Até comprei um telescópio, mas não o uso muito porque os vizinhos podem pensar que me estou a tentar especializar em pijamas ou falta deles, e nem quero por causa das estrelas ver a minha impecável reputação cair de um telhado qualquer abaixo!
Mas escolhendo criteriosamente um horário isento de vizinhas a enfiarem as camisas de dormir, lá vou deitando um olho a Vénus, melhor, a outros planetas e à Cassiopeia com passagens pela Ursa Maior e Menor. Para um quase estreante, não me considero já astrólogo ainda a anos luz de  um mínimo de conhecimento estelar.
A opinião não era só minha, e tive essa prova e da compensação do esforço feito durante as …vá lá…seis semanas de olho atento nos atlas e nos corpos celestes ao alcance do meu modesto telescópio.
Deu-se o caso do meu neto do meio vir ter comigo porque na escola andavam a preparar a festa de Natal e alguém muito sabiamente (que talvez não muito originalmente…) decretou que o teto escolar seria o teto do mundo naqueles dias donde se tornava indispensável dispor de florestas inteiras de constelações, um salpico de sol e até muito provavelmente a lua.
Como iriam combinar estes astros todos, uns acesos outros nem por isso, num palco com cerca de 20 metros quadrados, era do meu mais perfeito desconhecimento, mas isso não era importante porque era tarefa grada de outras mentes e mãos.
Mas não contavam com a curiosidade com força de aspirador industrial do meu neto do meio. Estrelas sim, mas com nome (e pedigree? pensei…) e informação bastante.
Entra nesta lasquinha da história, a prova do êxito do meu esforço de estudante nocturno de estrelas, planetas e outros objectos voadores no céu do mundo! O meu neto, julgando-me talvez Galileu equipado com óculo e tudo (que bom já não existir a Inquisição! Ou existe?...), desabou pela porta dentro, sequioso dos saberes evidentes (a evidência vem certamente do aparelho de ver as estrelas ao longe…) do avô sobre Orions e Centaurus, nomes que forneço eu mesmo à conversa, seria demais pedi-los ao pobre inocente, e acoitou-se sossegadamente ao lado, pronto a fazer deslizar pela sua existência mental, os enxames de estrelas do Universo, todas do meu conhecimento pessoal, já se lhe deixava ver.
Nem perdi a ocasião de tão soberana ela era!
Eu digo-te o que são as estrelas e tu que já és “catedrático” dos computadores, ensinas-me o que é isso de “fechar o ângulo” sem ser com um alicate, como se põe a andar um motor de busca, para que diabo de coisa tenho que encher algumas palavras de parêntesis para a esquerda e primos deles para a direita, aspas por todo o lado, pontos antes de uma letra só ou duas!
Valeu?
Estabelecido o contrato de mútuo interesse – garanto que uma tablete de chocolate que lhe dei, não era nada, não tinha nada a ver com o contrato que selámos com uma festinha e um bate com a tua mão na minha – estranhezas, que tenho que aprender, que remédio…
E logo veio a pergunta:
- Avô, o que é uma estrela?
- As estrelas são, ou foram há muito tempo, gases e poeiras. Imagina que o vapor daquela panela onde a tua mãe está a cozer o bacalhau, se mistura com a poeira que anda no ar. Agarras nessa mistura, apertas com muita força e…
- Agarro no pó e no vapor? Avô, sou pequeno mas …
- É só para perceberes como nasceram as estrelas, não é mesmo para agarrares, está descansado. Mas vamos então.
- Vamos sim avô. Posso comer o chocolate?
Já com um senãozito sobre a eficácia de pós do ar e vapores de bacalhau apertados para colapsarem em forma de estrela, resolvi que não seriam necessários tantos pormenores que só atafulhariam a sala de aula, e passei a conversas mais ligeiras. Afinal de contas o Universo já estava criado, para quê estar eu novamente a reduzi-lo a vapores?
- Um menino lá da aula, disse-me que as estrelas tinham gente dentro. É?
- Bom… não será bem assim…há filmes que falam em anjos que vieram do céu..
- VIERAM??
- …mais ou menos…mas mesmo nesses filmes nunca disseram se eles, os tais anjos, vieram das estrelas… É coisa para duvidar, sabes que estas coisas do cinema enganam muito…
- E o avô viu esse cinema?
- Sim, vi e gostei. Olha, devia ter um pouco mais do que a tua idade quando vi o tal anjo a “descer” do céu. Era um tipo muito bom, fez muito bem às pessoas e deixou muitas saudades cá no planeta quando voltou lá para cima.
- E as pessoas depois sabiam que era ele? Como? Aparecia a dizer adeus quando os amigos dele estavam a dormir?
- (sorrindo) Não, não o viam a ele. Mas quando tinham muitas, muitas saudades dele, olhavam para o céu e viam uma estrela muito brilhante lá no alto. Era assim…
- Avô! Então aquela estrela por cima da nossa casa é a avó Teresa de que o avô fala tanto mas que nunca vi?
- … pode ser, filho…pode ser… É!

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